Chovo-me
Conversa entre dois
idosos, no início da semana, no centro de saúde.
- Está um dia
maravilhoso de sol. Mas devia era começar a chover.
- É, têm ido uns dias
demasiado maravilhosos.
- Tenho um poço que,
normalmente, nesta altura, costuma estar cheio. Agora, está com meio metro de
água, se tanto.
Para que, de facto,
evolua às mil maravilhas, a vida não pode ser composta apenas por coisas (que
se convencionou chamar de) maravilhosas. Nem só de sol se faz uma vida. E não
falo apenas de meteorologia.
No final de
2013, início de 2014, estive 60 dias sem
conduzir. Sessenta dias inibida de conduzir por causa de duas infracções: em
Dezembro de 2010, em Lisboa, passei um sinal vermelho, sem me aperceber e, em
2013, fui apanhada, por um radar, a conduzir a 70 kms/hora numa localidade de
seu nome Casal Sancho, Nelas.
A 28 de janeiro de 2014, quando recuperei a minha carta de
condução, senti-me livre, de novo. E, nessa altura, os meus olhos ganharam um sorriso
rasgado. Foi duro
passar dois meses sem poder conduzir.
Tive ataques de mau feitio, por sentir-me
limitada e dependente dos outros para ir a qualquer lado. Ainda assim, não
falhei as aulas do mestrado (que frequentava na Universidade do Minho) porque
tenho a sorte de ter uma amiga-mana, a Natália, que programou a vida dela de
modo a que, às quintas-feiras, me pudesse levar a Braga, assistindo às aulas
comigo.
Ficar sem carta de condução no interior do país não é bem a mesma coisa que ficar sem carta em Lisboa ou no Porto. Se tivesse ficado inibida de conduzir enquanto vivia em Lisboa, não me teria feito diferença alguma. Agora, morar no distrito de Viseu e não poder conduzir é coisinha para nos fazer sentir em prisão domiciliária. Aqui, tirar a carta de condução aos 18 anos é essencial, para se conquistar independência. Aqui, poucas pessoas se podem dar ao luxo de não ter a carta de condução, a menos que não trabalhem, tenham alguém que as leve todos os dias ao trabalho ou vivam a dois passos do emprego.
Ficar sem conduzir dois meses foi uma lição de humildade e de
gratidão. E percebi que foi uma preparação para
o que viria a viver posteriormente, com a minha ida para Angola. Em Luanda não
conduzia, estava dependente de motoristas para me deslocar. Por isso, acredito que
o facto de ter ficado inibida de pegar num carro em Portugal fez com que me
adaptasse melhor a essa situação, vivida em Luanda, de falta de independência para
um acto tão corriqueiro como conduzir-me, quando queria.
Sim,
nem só de sol se faz uma vida. E hoje, depois de uma noite inteira de chuva,
está um dia maravilhoso. Um dia maravilhoso como são aqueles em que sentimos
que estamos a retirar lições do que nos acontece.
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