Nem todos os avós são um poço de doçura


Ilustração de Kaatje Vermeire


Não, nem todos os avós são um poço de doçura ou, como hoje ouvi na TV, "mães de doçura". Não, ser pai ou mãe dos nossos progenitores não faz dessas pessoas um colo, nem um porto seguro, nem alguém que nos ame incondicionalmente. Hoje é Dia dos Avós, dia de homenagear os avós, como ouço dizer na TV. É dia de valorizar os bons avós, diria eu. Conheço excelentes avós, tal como conheço avós vis. Nem todos os avós são dignos de vénia, nem aplausos. Nem todos os pais, nem todas mães, nem todos os filhos, aliás. Nisto da família e das relações familiares as generalizações deviam ser evitadas, para não corrermos o risco de vermos o mundo com um risco ao meio, como se fosse um penteado invariável. Os clichés só servem para alimentar o sentimento de isolamento para quem nas datas comemorativas não tenha muito para celebrar, caso não tenha a sorte de ter consigo um bom avô ou avó, ou bom pai ou mãe, ou bom filho ou filha.

Mas falando em concreto dos avós, figuras que hoje são celebradas, gostava de ver abordada a questão dos avós que não sabem amar. Os avós que, mesmo sendo acarinhados, vivendo com familiares e estando fisicamente próximos dos netos, são um vazio, um buraco negro. Não por demência, não por depressão, não por qualquer problema de saúde, não por falta de atenção por parte dos familiares, mas por puro egoísmo e falta de empatia. 

Há avós que não amam os netos, tal como já não amavam os filhos. Há pessoas cujo olhar não estende uma ponte rumo ao coração dos outros. Há pessoas com transtorno de personalidade narcisista, que só vivem para o seu umbigo e que esperam ser mimadas pela família sem dar qualquer retorno emocional. Há pessoas enclausuradas na sua própria existência, como se fossem a inteireza do mundo. Esses avós são aqueles que não perduram após a morte. Os outros, os bons (quando os há), são os que acompanham os netos pela vida fora, mesmo que tenham partido precocemente. Mas nem todos são bons, nem todos abraçam os netos como quem tricota uma manta de lã. Nem todos deixam nos netos beijos-sol. Alguns lançam sobre os netos um novelo de energia negativa, alguns lançam para os ombros dos netos um xaile negro que pesa no peito. Alguns avós não disfarçam a infelicidade para verem a felicidade dos filhos ou dos netos. 

Vamos deixar de achar que cabelos brancos e fragilidade física são sinónimo de seres amorosos, cheios de candura e rebuçados nos bolsos a aguardar a gula dos netos. A avozinha dos Capuchinho Vermelho, às vezes, pode ser a loba má. Felizmente, não maior parte dos casos, os avós são mesmo o sorriso-ninho que ilumina a infância. Celebremos esses, esses que são mãos preciosas no crescimento dos mais novos e um apoio inestimável na vida dos filhos.

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