Ocaso



Reinicio este blogue no Dia de Todos os Santos porque não separo a minha vida da morte de quem amo para lá da vida, porque a morte dos meus, em particular da minha mãe, em 2011, fez-me dar ainda mais valor à vida e ao que quero fazer dela. Talvez tenhas sido tu, mãe, a dizer-me, com silêncio, que tenho de olhar mais para mim, que é o mesmo que pensar-me pela escrita. E assim regresso à blogosfera.

Sim, tu murmuras o som claro do afecto porque a morte não leva a vida, transforma a presença. Os nossos não desaparecem, passam a viver só imensamente dentro de nós e do mundo que somos obrigados a redesenhar. É como se os nossos, tão nossos, voltassem a nascer, agora num parto feito no lado interior da nossa existência. O choro parido é dos que ficam. Mas, do outro lado do olhos, os nossos mortos são vidas que nos iluminam por dentro, como os ocasos, admirados apenas por quem os saiba tornar poema.

É nos ocasos que sinto a expressão do amor dos meus mortos por mim, que estou apenas no outro lado do céu. O fim de cada dia traz-me um princípio da beleza. Olho para cada entardecer e vejo, mãe, que tu não partiste. Só ganhaste novos rostos no meu mundo, que já foi nosso e é e será. Julgo que este foi o mais esplendoroso anoitecer que já admirei. Vi-te ali, naquele ocaso no último dia de um Outubro, o do ano passado. Não é por acaso. De Novembro, prefiro lembrar o teu nascimento, que foi dele que veio o meu. E o nosso amor. E a beleza grandiosa e generosa que de ti vinha, natural como um riacho de luz.

Penso em ti, minha Branquinha, e aninham-se em mim palavras como força, determinação, colo, resiliência, casa, abraço, flor, bolo quente, atenção, paciência. Penso em ti e vejo, de mãos dadas, os verbos amar e semear.

Estou há seis anos sem o teu abraço-ninho, minha mãe, minha. Há seis anos sem o teu sorriso-porto, sem a tua voz-casa, sem o teu olhar uterino. Não me esqueço do nosso abraço (e)terno, no dia em que te foi diagnosticado cancro, e das tuas palavras: "Não vos quero perder. Não quero morrer". E não nos perdeste, após quatro anos e meio de luta contra o tumor. Não nos perdemos uns dos outros, nós os quatro. O amor é isso: não nos perdermos nunca daqueles que somos, até à alma. Além da morte. 

Comentários

  1. Foi um belo regresso, sem dúvida, com a escrita exemplar, emotiva e uterina que é tão tua.

    Eu também não consigo deixar de olhar para um belo fim de dia e lembrar-me dos que já partiram. Ali os imagino, num lugar de luz e paz.

    Continua assiduamente com a escrita.

    Beijo bom.

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