Caixinha de surpresas



Caixinha de surpresas do Sr. Fernando Soares

No sábado, ao passearmos no Chiado, em Lisboa, eu e o meu namorado descobrimos um encanto de loja, na Rua Anchieta. Na verdade, não foi a descoberta de uma loja, mas sim de uma pessoa. Afinal são as pessoas que dão alma aos sítios. Íamos à loja A Vida Portuguesa, mas acabámos por entrar num estabelecimento com morte anunciada até ao final do ano. Trata-se de uma loja de antiguidades e de peças de arte na qual o nosso olhar se perde em mil pormenores, em mil objectos.

Eu e o Hugo deambulámos pelo espaço, atentos ao que o nosso olhar conseguia abarcar. Perguntámos o preço de um trabalho do pintor Malangatana ao dono da loja, um senhor de óculos, com barba e cabelo a denunciarem estar algures entre os 70 e 80 anos. Foi o princípio de uma longa e entusiasmante conversa. Face ao nosso interesse por arte, o Sr. Fernando Soares começou a mostrar-nos, com gosto, trabalhos da sua autoria, que estavam guardados em gavetas. A maioria dos trabalhos eram colagens surrealistas, mas também pinturas e até uma inesperada caixinha de surpresas, reveladora da imaginação que povoa os gestos deste antigo designer gráfico e de interiores.

Ao observarmos a genica do Sr. Soares não imaginaríamos que este homem sobreviveu a uma queda de um 7.º andar. Sem revelar pormenores da queda, que a memória vem carregada de dor, contou-nos que, em sonhos e em episódios invulgares que lhe aconteceram, intuiu o acidente que veio a sofrer. Conversámos, durante pelo menos duas horas, sobre arte, coincidências invulgares, mediunidade, arquitectura, família, amor e ainda sobre o projecto cultural que o Sr. Soares pretende desenvolver numa aldeia ribatejana.

As coisas belas surgem, de forma inesperada, quando nos abrimos aos outros. A beleza surge quando nos permitimos ser em comunhão, estendendo os braços aos universos que habitam aqueles com que nos cruzamos. Quando escutamos o outro, ouvimos melhor a nossa voz interior e deixamos que o mundo venha ao nosso encontro. Eu e o Hugo saímos da Rua Anchieta com a barriga cheia de boa conversa e com alguns mimos que o Sr. Soares fez questão de nos oferecer, depois de saber da nossa história de amor. Saímos dali com uma certeza: atenção gera revelação. 

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