Flor de incêndio



Foi já na madrugada de domingo, após uma festa de aniversário, em Lisboa, que fiquei a saber da tragédia que tinha ocorrido na Associação Cultural, Recreativa e Humanitária de Vila Nova da Rainha, em Tondela. Boquiaberta, percebi que, mais uma vez, um incêndio tinha destruído vidas: oito vítimas mortais e 38 feridos. Uma salamandra terá estado na origem do fogo. 

Raramente me lembro dos meus sonhos, mas na manhã seguinte acordei com o sonho bem presente. Tinha sonhado que estava, de madrugada, na rua do meu irmão, não sei bem a fazer o quê, não estou certa de que estivesse a conversar com alguém. O cenário não era igual ao daquela rua, mas antes um planalto. De repente, começo a aperceber-me de que estava em curso um incêndio que teimava em chegar à residência do meu mano. Prontamente, comecei a gritar, a pedir socorro, e a tentar apagar o fogo. Percebi que evitei o pior porque estava em estado de alerta, intuitivamente, suponho, porque não é normal estar, numa madrugada de inverno, na rua, a contemplar a noite.

Em Vila Nova da Rainha, o fogo terá sido espoletado por uma salamandra aliada à falta de condições de segurança do edifício. Por estes dias, de temperaturas inóspitas, as salamandras, os fogões de lenha e as lareiras são os melhores aliados de quem mora no interior do país. E este triste episódio veio lembrar-me que temos de estar sempre despertos, à espera de tudo em tudo, porque aquilo que pode ser o nosso maior aconchego pode, rapidamente, tornar-se no nosso maior inimigo. Tudo, na vida, é composto de dualidade, como um abraço que magoa.

Mas, na realidade, na nossa existência, nunca conseguimos prever tudo. É esse o encanto da vida, é essa a tragédia da vida. Precisamos de memória para antevermos, precisamos de esquecimento para o reencantamento e sobrevivência. 

É o esquecimento da dor que nos faz seguir caminho e olhar, com deslumbre, para uma flor de incêndio, é o esquecimento que nos faz encher o rosto de um espanto infantil ao vermos que, no Intercidades Guarda-Lisboa, um passarinho, assustado, esvoaça no interior de uma carruagem, com asas de turista em vez de asas de viajante. Um trajecto a representar um parêntesis-gaiola, um sobressalto para a pequena ave, que certamente ficou desnorteada com o que lhe sucedeu. Que caminho terá seguido aquele passarinho vindo do Norte, quando, em Lisboa, viu, de novo, as suas asas com sentido?

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