A igualdade não é um assunto só de mulheres

Ilustração de Ana Ventura


No Dia Internacional da Mulher, que se assinalou ontem, percebemos a real dimensão que a questão da igualdade de género assume, tanto para o sexo feminino, como para o sexo masculino. Neste dia, custa-me ver as marcas a aproveitarem-se daquela data para, sob o pretexto de congratularem as mulheres, lhes quererem impingir mais consumismo. Mas é o capitalismo. Custa-me ainda mais ver mulheres a dizerem que o Dia Internacional da Mulher é mais uma invenção de efeméride, comparando esta data ao Dia dos Namorados, ou a defenderem que o importante é a luta pelos direitos das mulheres e dos homens, como se o feminismo, ao lutar pela igualdade entre mulheres e homens, não contribuísse para a luta dos direitos de mulheres e homens. 

O Dia Internacional da Mulher serve para mostrar que ainda há muito caminho a percorrer até se chegar à paridade, e não para oferecer flores, bombons e dar elogios de circunstância às mulheres. Serve para homens e mulheres reflectirem sobre como podem, juntos e não de costas voltadas, fazer deste mundo um lugar mais igualitário. Se houver flores, elogios e doces à mistura, tanto melhor.

Ser feminista, ao contrário do que muitas cabecinhas femininas e masculinas pensam, não é ser contra homens. É ser contra a desigualdade, tão só. Ao contrário do machismo. 

Grande parte das mulheres portuguesas não nasceu em pé de igualdade face aos homens. Só em 1976 é que se adoptou uma nova Constituição que consagrou a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios. É importante não esquecer o trabalho que outras mulheres fizeram para podermos ter os direitos que temos hoje. É bom não esquecer que, em Portugal, só em 1931 é que o direito de voto é concedido às mulheres, mas só àquelas com um grau universitário ou com o secundário concluído. É bom recordar que, até 1969, as mulheres não podiam viajar para o estrangeiro sem o consentimento do marido. Na altura do salazarismo, os maridos tinham o direito de abrir a correspondência das mulheres, bem como o Código Penal permitia ao marido matar a esposa em flagrante adultério, sofrendo apenas um desterro de meio ano.

O filme "As Sufragistas", de Sarah Gravon, mostra bem o que é ser feminista. E é bom que nós, mulheres já nascidas com uma Constituição que não nos considera seres inferiores aos homens, tenhamos memória, mas que também olhemos atentamente para as nossas vidas, para a das mulheres que nos rodeiam, mas também para as daquelas que vivem em países que as punem por não serem homens.

Só quem andar distraído de si mesmo e da vida é que poderá dizer que não há desigualdade. Até quando as piadas sobre “mulher ao volante, perigo constante”, até quando a ideia de que as tarefas domésticas são coisas de mulheres? Por que razão as mulheres trabalhadoras hão-de trabalhar mais 1h45 por dia que os homens em tarefas não remuneradas? Por que razão, no mercado de trabalho, em média, a diferença salarial entre homens e mulheres é de 16,7% e, nos quadros superiores, essa diferença é ainda maior, chegando aos 26,4%? Por que razão também, em média, apenas 27,5% dos homens é que goza a licença parental partilhada? Quem disse que os homens não querem passar mais tempo com os seus filhos recém-nascidos? Os preconceitos machistas?

“As mulheres aspiram para dentro/E geram continuamente. Transformam-se em pomares”, como tão bem escreveu o poeta Daniel Faria. A paridade certamente originará fruta mais sã, originará uma sociedade mais igualitária, feliz e realizada.

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