Aconchegar


Aconchego. Foi esta a palavra que me abraçou no workshop de preparação para o trabalho de parto e para a parentalidade, na quarta-feira. A enfermeira Filomena Paulo nomeou o aconchego na lista das medidas importantes para o conforto da parturiente e, naquele momento, percebi que era aquela a palavra exacta que explicava por que razão eu, em conjunto com o meu marido, tinha optado por ter o nosso bebé no Hospital de Viseu e não num qualquer hospital lisboeta. Além disso, o meu médico ginecologista/obstetra (de há muitos anos), em quem confio e com quem tenho uma relação muito empática, também tem consultório em Viseu e trabalha no Hospital de S. Teotónio. 
Não há aconchego sem relação, sem empatia. Para nos sentirmos aconchegados, precisamos de sentir que os outros se colocam no lugar que estamos a ser. E é nos momentos de maior vulnerabilidade que o gesto empático do outro pode fazer a diferença no modo como olhamos a experiência que vivemos, seja esta feliz ou triste, prazerosa ou dolorosa. Podemos estar a viver o momento mais dramático da nossa vida, mas se o olhar atento de quem nos acompanha nos abrigar, essa dor ganhará a dimensão luminosa do amparo.
No Hospital de Viseu vivi os momentos mais duros da minha vida. Passei dezenas de horas nesta unidade hospitalar em redor da saúde da minha mãe. Foram quatro anos e meio divididos entre a urgência, o hospital de dia, o serviço de cirurgia. Quatro anos e meio a oscilar entre a dor, a esperança, a resiliência, a expectativa, o medo, a ansiedade, a tristeza, a luz de mais uma cirurgia que adiava o desfecho de um tumor T4, a alegria de uma nova alta hospitalar, o desalento de um novo internamento. Até ao internamento final, aquele sem viagem de regresso a casa.
No Hospital de Viseu, vivi os momentos mais dilacerantes da minha vida. Mas, no Hospital de Viseu recebi também a brisa morna da generosidade de quem se tornou significante na minha vida à conta do cancro que vitimou a minha mãe. Não é por acaso que a minha mãe se sentia em casa no hospital. Ali não faltou aconchego. Nem para ela, nem para nós, família. Houve toda uma equipa de profissionais que não desistiu da minha mãe, até ao limite. Houve profissionalismo, houve mãos cirúrgicas que não hesitaram em combater o cancro até ao fim. Houve palavras exactas que nos tocaram como a pele do bisturi, nada nos foi escondido. Falsas expectativas seriam um ilusório agasalho. Mas também houve afecto, empatia, abraço e olhos tristes na fase terminal. 
Ver enfermeiras com o olhar humedecido a despedirem-se da minha mãe foi a prova final de que não estávamos sós na antecâmara do luto. Só consegui despedir-me da minha mãe, aliás, por incentivo de uma enfermeira que se dirigia ao quarto para dizer adeus à mulher que me colocou no mundo. Estarei eternamente grata pela forma como a minha mãe e nós, família, fomos tratados ao longo daqueles anos. Por essa razão, uns dias após o funeral, retornei ao hospital para agradecer ao cirurgião da minha mãe, mas também ao pessoal da enfermagem e auxiliares, o tanto que fizeram por nós.
A vida é feita de ciclos. E, agora, oito anos depois, regresso ao Hospital de Viseu para ali principiar um novo ciclo, onde um nascimento dará novo significado à minha vida. As aulas de preparação para o parto já estão a ser ilustrativas do cuidado que os profissionais de saúde (pelo menos aqueles que orientam as aulas) têm com as futuras mamãs e papás. Ainda não estou na sala de partos, e já sinto aconchego por parte de quem me ajudará a tornar luz o mundo que me arredonda os gestos.
De aconchego em aconchego, assim se faz uma vida com sentido. E ontem chegou até mim um gesto-ninho de uma amiga-mana. Fui surpreendida com um presente deixado na porta de entrada de casa. Uma coroa-coração feita de flores silvestres, a lembrar que o que permanece na nossa memória são as pessoas com as quais nos sentimos em casa. Que os gestos de cada um de nós não se cansem de conjugar o verbo aconchegar. 

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