Berço expectante


Lá fora, o vento a despentear o frio, a chuva a dar pernas à saliva das estrelas. 
Cá dentro o lume, o berço expectante. O abraço enxuto da casa materna. 
Dentro de mim, dás corda ao relógio que somos, até chegar a hora de nos tocarmos pelo lado de fora. Até chegar a hora de seres brasa no meu, nosso, colo aprendiz.
Cá fora, aguardam-te quatro braços, quatro pés, dois sorrisos-luz, dois substantivos ansiosos por contigo serem o princípio de um novo dicionário. Cá fora, eu e o papá esperamos saber ler a palavra que já és cá dentro, esperamos saber conjugar, em ti, os verbos amar, abraçar, aconchegar, mimar, amparar, dar, impulsionar, estimular, incentivar, soltar, semear.
Cá fora, esperamos que saibas escrever-te poema neste mundo de gramática entorpecida, esperamos que sejas verbo límpido e que de nós herdes palavras-húmus, gestos-semente.
Branquinha, que nunca percas o espanto grato por fazeres parte da existência. Que sejas desordem alfabética se essa for a tua natureza, que o mundo só se torna verdadeiramente amplo e profundo com o toque dos sonhadores e criativos.
Sabes, minha filha, a vida é mesmo um milagre, uma aventura extraordinária se não deixarmos adormecer a sabedoria inata de ver além do ordinário. Que não haja mesmo invernia neste mundo que apague a força luminosa que irás trazer colada ao umbigo.
Que eu e o papá saibamos ser colo-cais, círculo aberto do afecto, que saibamos sempre fazer-te sentir, livremente, em casa.
Prestes a entrar nas 39 semanas, olho, comovida, para este círculo pulsátil cheia de gratidão por poder ser casa-alimento de um sonho a dois. Em breve, seremos trindade.


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