Entardecer



É aqui, neste lugar onde nunca estivemos as duas juntas, que me imagino contigo, hoje. É aqui que hoje gostaria de entardecer os gestos contigo, minha mãe. É aqui que me imagino, junto ao teu cheiro a casa soalheira, ao teu colo-alpendre, a partir do qual me fiz ao mundo, me fiz(este) mundo. Vejo-nos ali, com um chá de lúcia-lima a fumegar ao nosso lado. A nossa cumplicidade era isso: um chá que nunca deixávamos arrefecer. Só pode ser isso o amor. Vejo-nos ali, sentadas numa manta alentejana, com a minha cabeça pousada no teu colo primaveril. Longe do ambiente de cemitério, sem o cheiro impositivo de centenas de velas a arder, longe da tristeza ritualizada. Sou uma sortuda, sabes? Sortuda por ser filha de uma mãe que é o mais inteiro e luminoso substantivo feminino da gramática imperfeita da minha vida.

Comentários